A Rua Bom Jesus do Horto, região vulgarmente conhecida por Ladeira do Horto, congrega a maioria dos espaços e dos informantes que embasaram a nossa etnografia. A Ladeira concentra, mais do que em qualquer outro lugar de Juazeiro do Norte, práticas devocionais voltadas para o cultivo da penitência enquanto instrumento de salvação. A despeito das “modernidades” que lhe sobrevieram desde o ano de 2000, quando a visitamos pela primeira vez, para muitos dos moradores, sobretudo para os mais velhos, a Ladeira do Horto preserva ainda a presunção de solo sagrado, terreno escolhido pela Providência. Se para os peregrinos subir o Horto cantando benditos e rezando rosários constitui um preceito religioso, morar aos pés do santo de Juazeiro é uma benção perene de valor inestimável.
São
abundantes as alegorias que fomentam o imaginário relativo aos atributos
sobrenaturais da Ladeira, como as associações entre a Serra do Horto e o Monte
Calvário, e as comparações entre o Riacho Salgadinho que por
lá passa e o Rio Jordão, por exemplo. O terreno íngreme e sinuoso, os
monumentos que demarcam as estações da Via-Sacra e a gigantesca estátua do Padre
Cícero no alto do monte transfiguram a Ladeira do Horto em um caminho místico e
consagrado, ponto focal das peregrinações. Todavia, mais do que dedicar-se aos
cenários e aos simbolismos sobremaneira ativados durante o tumulto das
romarias, o nosso trabalho interessou-se principalmente pela Ladeira em sua
condição ordinária; entrar nas casas, conversar com os moradores, ouvir
histórias e benditos, reparar na arrumação e na contemplação dos altares
domésticos, nas crianças e nas beatas. Na intenção de introduzir nossa
etnografia e de favorecer a compreensão das sutilezas afetivas e visuais com
que trabalhamos, elaboramos um ensaio fotográfico que visa evocar um pouco da
paisagem religiosa desse lugar. Surpreendido no seu encanto cotidiano,
retratamos a simplicidade de suas casas e pessoas proferindo silenciosamente,
na intimidade de seus gestos e altares, um pensamento sobre fé e resignação.
As casas da Ladeira do Horto, em sua maioria, possuem uma
estrutura arquitetônica semelhante. Em virtude do terreno íngreme, o acesso à
porta de entrada, em alguns casos, é realizado por intermédio de largos
batentes de cimento. O primeiro cômodo ocupa toda a largura da casa e dele
projeta-se um estreito corredor com saídas laterais para os quartos, estendendo-se
até a cozinha. Independentemente de quão modesta seja a moradia, é
incontestável o esmero dedicado à ornamentação da sala que abriga a imagem do
Coração de Jesus, condição que singulariza este espaço em relação aos outros lugares
da casa. Para separá-lo dos outros cômodos, recorre-se, geralmente, ao uso de
uma cortina branca, posicionada na extremidade do corredor. Ornando a mesinha
encostada à parede, uma toalha branca bordada com motivos religiosos. Sobre
este móvel, uma vela acesa. Numa parede, dezenas de imagens de santos
entremeadas de flores; noutra, diversas fotografias contam sobre a família;
tudo organizado na intenção de demarcar o lugar, elaborando um requinte visual que
se destaca no singelo da habitação. Esse espaço sagrado será objeto da próxima
postagem.
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